Para os profissionais que estão nas unidades específicas de atendimento ao paciente diagnosticado com Covid-19, cada vez mais fatores como as notícias sobre aumento dos óbitos, detecção de variantes da doença, a incerteza da normalização dos processos de trabalho, assim como o cansaço e a exposição ao estresse marcam presença constante no ambiente de trabalho.
Os equipamentos de proteção individual são utilizados nos ambientes da rede de serviços de saúde em procedimentos de rotina.
Máscaras, protetora facial, óculos de proteção, luvas e capotes podem ser vistos em ambiente cirúrgico, ambulatorial, laboratorial de demais.
Porém, desde dezembro de 2019, estes, que fazem parte da maioria das notícias difundidas pela mídia, também são utilizados por parte da população geral como mecanismo de proteção para evitar o contágio pelo coronavírus (SARS-CoV-2) e já apresentam alguns eventos adversos detectados a partir do uso prolongado, no ambiente de trabalho.
Dentre os eventos já identificados pelos profissionais de saúde que precisam utilizar a proteção individual, destacamos: psoríase ou dermatite decorrente do uso prolongado de luvas que aumentam a sensação de calor e suor; marcas de pressão na ponte nasal, devido ao clip da máscara N95, por longos períodos de turno de trabalho; nova cefaleia gerada pela compressão externa realizada pelos pontos do protetor facial/face Shields ou gatilho de crises de cefaleia pré-existente a exemplo da enxaqueca; alteração no nível de saturação, devido ao uso da máscara cirúrgica; qualidade do sono muito prejudicada devido à preocupação com o contágio; alto nível de exposição ao estresse do ambiente de trabalho; e altos níveis de ansiedade, medo e tristeza.
Quando discutimos o mecanismo de ação dos transtornos de ansiedade podemos afirmar que são complexos e envolvem vários sistemas de neurotransmissores, nos quais merece destaque a serotonina, pois a falta de produção e liberação é a principal disfunção associada à ansiedade.
Do ponto de vista da neurofisiologia é importante destacar a função da amígdala (Figura), que é uma pequena estrutura localizada na parte mais profunda do cérebro humano.
É ela quem recebe a informação do tálamo (quando capta os estímulos visuais, olfativos, táteis ou do meio ambiente) e dispara a cascata de reações sensoriais que alertam para o sinal de ameaça e o corpo se prepara para enfrentar o perigo.
É liberado também o hormônio cortisol, conhecido pela população geral como hormônio do estresse, quando somos submetidos a altos níveis de tensão
Sistema límbico – unidade do cérebro especializada nas emoções.
Quando esse processo químico entra em desequilíbrio, e todos os estímulos são interpretados pela pessoa por sucessivas vezes ao dia, mesmo não representando ameaça, está instalado o processo de ansiedade patológica.
Este processo afeta grande parte da população atualmente, devido às medidas sanitárias como o isolamento, distanciamento social, de forma recorrente e gera sentimentos medo, tristeza e solidão.
No momento de uma crise, são afetados diretamente os sistemas: cardiovascular; respiratório; gastrointestinal; sistema nervoso central.
Isso ocorre, pois a cascata de eventos disparados pela amígdala prepara o organismo para responder a suposta situação de ameaça.
Por isso, muitos relatam palpitações, falta de ar, suor excessivo, dor abdominal, cólicas, náuseas, tonturas, medo da morte, dentre outros.
A situação por muitas vezes paralisa a pessoa e a incapacita para a tomada das decisões, atividades laborais e compromissos sociais.
Também a desconcentra para enxergar as alternativas de gerenciamento da crise de ansiedade.
Além disso, pensamentos negativos automáticos se somam ao quadro, pois a produção e liberação de serotonina, neurotransmissor responsável pela sensação de bem estar é interrompida.
Mediante essa situação multifatorial que envolve a população brasileira no contexto de crise da saúde pública, com alto número de infectados, óbitos, sistema de saúde em crise, alta demanda por leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), sequelas que ainda estão sendo estudadas, e que vem se manifestando nos sobreviventes, indisponibilidade de vacinas, indisciplina na adesão ao uso de máscaras e indicações de não aglomerar, sem o horizonte para a descoberta do tratamento para Covid-19, os dias de quem está na linha de frente do atendimento aos pacientes são vividos cercados de muita ansiedade.
Toda essa ansiedade se deve também ao fato de que a probabilidade de contaminação é maior para médicos, enfermeiros, fisioterapeutas e demais profissionais de saúde que lidam com a morte como sentença para os que precisam assistência e não conseguem acesso.
Considerando essa situação crítica, vivenciada pelos profissionais de saúde, o número de pessoas que estão entrando com solicitação de afastamento e licença médica, apresentam falta de ânimo para comparecer ao ambiente de trabalho.
A sensação de paralisia é sentida mediante a tomada das decisões sobre quem vai para intubação e quem não terá a chance, medo intenso, crises de pânico e até ideação suicida vem se apresentando cada vez mais no cotidiano dos que estão na linha de frente do combate à Covid-19.
Com base nessas reflexões pretendemos alertar a sociedade para a necessidade do cuidado da saúde mental e emocional desses profissionais, que além do risco biológico, estão expostos ao risco danoso gerado pela ansiedade patológica, memórias negativas dos sentimentos vivenciados nessa situação, nunca antes vivida no mundo.
É importante a atuação governamental para assistir aos que passam por sofrimento, que é semelhante a situações de estresse pós-traumático, para fortalecer a resiliência de quem está no combate direto ao coronavírus.
A implantação de redes de apoio e protocolos para o suporte aos profissionais de saúde envolvidos com o manejo dos pacientes é de fundamental importância para que o Sistema Único de Saúde possa atravessar esse momento de crise “tome a decisão política de cuidar de quem cuida”.