A todos que direta ou indiretamente sofrem conosco a dor de meio milhão de perdas
Viver a perda de quem se ama é devastador, e eu me identifico com a sua dor.
Nada menos que 500 mil vidas foram interrompidas pela COVID-19 no Brasil. MEIO MILHÃO de pessoas!
Pais, irmãos, filhos, amigos, amores da vida… Perdas irreparáveis. Essa catástrofe vivenciada de maneira única por cada um de nós é também coletiva.
Fez com que passássemos a viver em um estado de luto permanente no país, com o sistema de saúde à beira do colapso e, por parte do poder público, ainda estamos distantes de ver uma resposta efetiva, centralizada e coordenada à doença.
Como organização humanitária, temos o dever de condenar com indignação o descaso à emergência sanitária que está causando a morte de centenas de milhares de brasileiros. Como organização médica, é nossa obrigação esclarecer que muitas dessas mortes poderiam ser evitáveis.
A insistente recusa em colocar em prática medidas de saúde pública baseadas em evidências científicas, como o distanciamento social e o uso de máscara, mesmo para quem já foi vacinado ou teve a doença, segue resultando na morte prematura de muitas pessoas e aumentando o risco do surgimento de novas variantes.
Onde pouco mais de 11% da população já tomou as duas doses da vacina, a COVID-19 segue infectando e matando milhares todos os dias no Brasil.
E, enquanto testemunhamos o sofrimento de brasileiros que perderam seus entes queridos, e de profissionais da área de saúde exaustos, padecendo de graves impactos psicológicos e emocionais devido às condições de trabalho, assistimos também ao grande volume de informações falsas sobre a COVID-19 que circulam pelas comunidades do país, alimentando um ciclo de doença e morte.
É desolador perceber que essa desinformação muitas vezes é propagada por quem teria a responsabilidade de proteger a população.
É inadmissível que, mesmo com 500 mil mortes, haja autoridades que defendam o uso de medicamentos sem eficácia comprovada, desprezando conhecimentos científicos e renegando medidas eficazes.
Agir dessa maneira, neste momento, é nada menos que desumano.
Pode ser óbvio, mas é necessário dizer que, como o Brasil se encontra em uma situação de alta circulação e transmissão do vírus, e ainda precisa avançar na vacinação, não usar máscaras neste momento contribui para manter alta a incidência da COVID-19.
O resultado disso não é outro senão mais hospitalizações e mortes.
Esse impacto tem sido sentido com mais força entre os que estão mais expostos e vulneráveis, e com menos acesso à saúde, mostrando outro efeito cruel da pandemia, o de ter escancarado nossas desigualdades históricas no acesso à saúde.
Diversos estudos divulgados desde o início da epidemia de COVID-19 indicam que a própria doença, e também seus impactos sobre o sistema de saúde afetaram de maneira mais cruel as populações negra e indígena, migrantes e refugiados.
Infelizmente, a COVID-19 ainda está longe de ser controlada.
Enquanto houver pessoas desprotegidas, as vidas de nossos pais, filhos, irmãos, amigos, amores continuarão ameaçadas.
Neste momento, mesmo com toda exaustão e ansiedade para que tudo acabe logo, temos de continuar juntos e firmes nessa batalha pela vida. Por favor, se proteja e cuide dos seus.
Renata Santos
Presidente do Conselho de MSF-Brasil