As micro e pequenas indústrias representam um dos setores que mais vem enfrentando dificuldades nos últimos anos.
Devido ao agravamento da pandemia e, segundo levantamento do SIMPI, isso ocorre como resultado da quebra da cadeia produtiva com a alta dos preços, pela escassez e perda de qualidade da matéria-prima, além dos altos tributos e da falta de acesso ao crédito.
Para entender melhor o cenário do setor, a Revista Preven convidou o presidente do SIMPI, Dr. Joseph Couri para falar sobre o tema.
Cabe destacar que O Simpi atua diretamente na defesa dos interesses da categoria econômica formada pelas micro e pequenas indústrias e, para isso, participa ativamente de fóruns e conselhos nas esferas de governo federal, estadual e municipal.
Fundado em 14 de dezembro de 1988, o Sindicato da Micro e Pequena Indústria do Estado de São Paulo (SIMPI) representa as micro e pequenas indústrias (MPIs) com até 50 trabalhadores.
São 280 mil empresas responsáveis por 1,5 milhão de empregados diretos. Vale ressaltar que 42% das MPIs de todo Brasil estão em São Paulo.
Entre os serviços oferecidos pela entidade às micros e pequenas indústrias estão a Empresa Aberta – Jucesp -, o Posto Avançado de Conciliação – TJ-SP -, o Licenciamento Ambiental, a Certificação Digital e o Cartão de Benefícios SIMPI, orientação contábil e jurídica.
O (SIMPI) atua em todo o Estado de São Paulo, por meio de suas sedes na capital e de suas sub-sedes em Bauru, Campinas e Santo Anastácio.
A atuação do sindicato também abrange a esfera nacional por meio da Associação Nacional dos Sindicatos das Micro e Pequenas Indústrias (ASSIMPI), referência nas questões relacionadas à categoria econômica.
Confira a entrevista, a seguir.
Nossa primeira pergunta diz respeito ao momento em que o país e o mundo estão passando diante desta pandemia. Qual tem sido o papel do SIMPI no sentido de mitigar a crise econômica e de orientação práticas seguras de saúde que as micro e pequenas indústrias ( MPIs) estão passando neste momento?
Indiscutivelmente, a pandemia mudou o cenário econômico, social e sanitário. Não só no Brasil, mas no mundo. A partir de março de 2020, o SIMPI passou a encomendar ao Datafolha a cada dez dias, pesquisa chamada Boletim de Tendências da Micro e Pequena Indústria na Pandemia, com a finalidade de apresentar o quadro real, sua evolução e desdobramentos, além de servir como ponto de partida para sugerir políticas públicas em âmbito municipal, estadual e federal. Algumas destas sugestões foram atendidas, outras não. O maior desafio para nós no momento é manter as empresas vivas e impedir seu fechamento.
Quais têm sido as políticas do SIMPI para o enfretamento da COVID-19 junto aos seus associados e colaboradores?
O SIMPI orienta sistematicamente a respeito das medidas de prevenção recomendadas pelos órgãos de saúde oficiais. Nas dependências da entidade, o uso de máscara, álcool em gel e aferimento de temperatura são obrigatórios, bem como o respeito ao distanciamento social. E, em nosso programa de TV, com veiculação semanal para São Paulo e Brasil, atualizamos dados, fatos e orientações, além de entrevistas com especialistas no assunto.
Com relação ao atual momento econômico que o país vive, quais seriam os maiores desafios às micro e pequenas indústrias?
Ao contrário do que ocorre em países desenvolvidos, com injeção direta de recursos a fundo perdido para manter as empresas vivas, no Brasil temos elevação da taxa de juros, falta de crédito, aumento de carga tributária, demissões, redução de jornada e salário, perda de poder aquisitivo. Isso tudo levando à diminuição do consumo, da produção, e deteriorando o mercado interno. O maior desafio hoje é impedir o fechamento de empresas e encontrar mecanismos para que possamos nos recuperar após a vacinação em massa e inflexão da Covid-19. Políticas macroeconômicas são imprescindíveis neste momento.
Como o Senhor definiria a atual política para as micro e pequenas indústrias?
Inexistente. Temos encontrado medidas tópicas, pontuais e com efeitos localizados e reduzidos. As conquistas tributárias como o Simples e MEI estão ameaçadas de extinção.
É possível identificar o mercado e os concorrentes internacionais, analisando de forma profunda quais são os diferenciais que podem ser oferecidos pelas micro e pequenas indústrias?
A micro e pequena indústria se caracterizam, em sua maioria, por baixos investimentos e alto nível de mão de obra. Consequentemente, com perfil destinado a nichos de mercado e não a produção seriada de volumes internacionais. São também empresas que, majoritariamente, suprem o mercado interno e sua relevância contribui para a geração de emprego e renda. Entretanto, no Brasil, o empresário paga uma das maiores taxas de juros do mundo e está à mercê de medidas que tributam a micro e pequena empresa em detrimento das empresas maiores, pois estes se creditam dos impostos em cascata, o que é vedado às empresas do Simples. No Mercosul, por exemplo, o produtor nacional paga de 34% a 40% de impostos e o produto vindo de lá é tributado em 1%. Portanto, estamos expostos, não a uma concorrência justa e igualitária, mas sim, a uma concorrência onde o produtor nacional é penalizado, além de políticas protecionistas de vários países.
O plano de negócio, que é muitas vezes renegado, pode ser a diferença entre sucesso e fracasso das micro e pequenas indústrias?
Infelizmente, o plano de negócios ainda não é uma prioridade para a maioria das micro e pequenas indústrias no Brasil. Muitas delas definem suas metas concomitantemente à execução das ações, com pouco planejamento e muito trabalho. Muitas vezes, o foco no resultado prevalece em detrimento do planejamento. Além disso, há certa dificuldade para encontrar suporte para traçar uma rota no papel por vários motivos.
São 575.316 de empresas, que representam 26% das MPIs, onde a indústria representa 13,8% dos estabelecimentos, 30,1% dos empregos e 32,6% da folha de salários das MPIs paulistas. Sabendo-se da enorme relevância das MPIs e de sua expressiva participação para a economia do estado de São Paulo – o senhor acredita que é possível haver maior atenção ao setor, por parte do Estado? E, se sim, como o senhor promoveria essa melhoria?
Está provado no mundo que todo investimento realizado em micro e pequena empresa tem um papel no fortalecimento do mercado interno, na geração de emprego e na estabilidade econômica. Mas, sabemos que na economia não há ilhas de prosperidade. O que podemos ter são Estados puxando a fila de uma política nacional, de desenvolvimento e crescimento econômico. Como representante das micro e pequenas indústrias, o SIMPI mantém relacionamento saudável em todos os níveis e esferas de poder municipal, estadual e federal, apesar das divergências existentes, que são colocadas respeitosamente pela entidade. A promoção do desenvolvimento depende da parceria dos poderes públicos e iniciativa privada, mas acima de tudo, de decisões políticas. O país está passando por um momento de extrema turbulência nas várias áreas e esferas de poder.
Outra questão de fundamental importância é o avanço da Tecnologia no processo industrial, e isso tem afetado mais diretamente as micro e pequenas indústrias, seja por falta de capital para investir em novas tecnologias e/ou mesmo falta de mão de obra especializada. Na sua avaliação, como se devem superar essas dificuldades?
Estudos internacionais demonstram que, para cada dólar investido em inovação tecnológica na micro e pequena indústria, ela se mostra vinte e três vezes mais eficiente em desenvolver novas tecnologias e em resultados econômicos nas mais variadas áreas. Infelizmente, a tecnologia nesse momento está relegada a segundo plano, já que o principal é a sobrevivência das empresas devido à falta de crédito e direcionamento de investimentos em tecnologia. Não podemos esquecer que todas as mega organizações no mundo já foram um dia uma micro e pequena empresas, categorias que representam o celeiro da iniciativa privada, do desenvolvimento econômico e social, da geração de emprego, da arrecadação tributária, do crescimento econômico, e da preocupação sócioambiental. Tal fato pode ser constatado pelo movimento de grandes companhias na aquisição de startups em escala crescente.
É possível dizer que Tecnologias como Inteligência Artificial (IA) ou Machine Learning (ML) passam longe das estratégias de crescimento de micro e pequenas indústrias, deixando-as para trás em um cenário competitivo cada vez mais acirrado?
Dependendo do ramo de atuação, os investimentos em tecnologias mais avançadas como Inteligência Artificial ou Machine Learning fazem sim, parte do escopo das micro e pequenas indústrais. No entanto, é mais correto dizer que estes investimentos se enquadram em uma escala de prioridades. Infelizmente, a prioridade no momento é a sobrevivência do negócio.
Aproveitando o tema, o que o Senhor pode nos falar da Indústria 4.0 e seus impactos no processo produtivo brasileiro?
A Indústria 4.0 na micro e pequena indústria é uma tendência que será mais demorada, mas será questão de tempo para chegar à toda a categoria. A pandemia de certa forma tem acelerado esse processo em alguns segmentos, fazendo com que as empresas busquem o suporte da tecnologia, principalmente para interagir com o mercado. Muitas empresas foram forçadas a existir também no campo virtual. Um dos grandes impactos da indústria 4.0 também está relacionado à mão de obra, com a diminuição de postos de trabalho e de atividades repetitivas. Há muitos casos de substituição do funcionário por máquinas ou sistemas, o que também ganhou um maior impulsionamento com a pandemia. E não há como negar a agilidade que a tecnologia proporciona em termos de relatórios, análises e cruzamento de dados.
O Senhor acredita que o Brasil está preparado para enfrentar seus concorrentes internacionais diante do nosso modelo industrial?
Não estamos preparados para a concorrência internacional. O empresário brasileiro é extremamente competente do portão da sua fábrica para dentro, onde detém o controle de tudo. Do portão para fora, que depende de políticas governamentais, o empresário não tem domínio nem previsão do que pode acontecer. E sempre há novidades que afetam os negócios, como decretos, portarias, leis, etc.
Quais são os maiores erros e acertos de nossa atual política industrial?
O Brasil não possui política industrial. Possui em alguns casos políticas setoriais. Nosso maior problema chama-se Estado brasileiro, por sua carga tributária, burocracia, entraves ao empreendedorismo e ao desenvolvimento econômico, social e ambiental.
O senhor entende que há acesso restrito a linhas de crédito e outros serviços financeiros para as micro e pequenas indústrias ?
Não existe linha de crédito nem serviços financeiros focados na micro e pequena indústria, a exemplo de outros países, que chegam a dar dinheiro a fundo perdido para manutenção e existência das empresas.
Falando um pouco da nossa formação profissional e de nossa mão-de-obra qualificada, é possível identificar onde estão nossos maiores desafios e atrasos para alcançarmos um padrão de excelência?
Ainda se investe pouco em formação, atualização e qualificação de mão de obra. No entanto, este deveria ser um item importante no plano de negócios de toda organização. É um problema cultural que, lentamente, o Brasil vem revertendo. Existem vários cursos de curta duração disponíveis; inclusive, muitos deles oferecidos por universidades corporativas. O SIMPI também está presente nas áreas de educação e atualização, por meio da Kaptár (https://www.kaptar.net/), plataforma que reúne diversos cursos técnicos realizados a distância oferecidos por parceiros.
Como o senhor enxerga o futuro das micro e pequenas indústrias no cenário nacional e internacional?
Não há país no mundo onde a micro e pequena empresa não seja essencial para a preservação do seu mercado interno e valorização do seu produto nacional, inclusive em regimes políticos não democráticos.
Por fim, gostaria de sua opinião sobre algo muito debatido no mundo corporativo, que são os impactos desta crise sobre a saúde mental dos trabalhadores e dos proprietários. Como o senhor vê essa questão no âmbito da saúde e quais as ações que o SIMPI tem tido para orientar ou mesmo alertar as micro e pequenas indústrias para esse tema?
É indiscutível, todos os prejuízos econômicos, sanitários e psicológicos que a pandemia tem causado na sociedade. É um momento complicado, mas no qual precisamos manter o mínimo de sanidade como cidadãos, e procurarmos os melhores caminhos para atravessar a crise. Nas empresas, é preciso que os líderes saibam monitorar seus colaboradores, bem como o andamento dos negócios, para que seja possível identificar qualquer anormalidade no início e atuar de forma eficaz, seja por meio do diálogo ou outras medidas cabíveis.
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