Para falarmos da Saúde Ocupacional no olhar da psicologia, precisamos recorrer à Psicodinâmica do Trabalho, uma abordagem científica que avalia as relações indivíduo-trabalho-organização e se apoia na descrição e no conhecimento das relações entre trabalho e saúde mental, desenvolvida por Christophe Dejours, na França na década de 1980. Dejours tem pesquisado a vida psíquica no trabalho há mais de 30 anos, tendo como foco o sofrimento psíquico e as estratégias de enfrentamento utilizadas pelos trabalhadores para a superação e transformação do trabalho em fonte de prazer.
Em meados dos anos 1990 seus estudos começam a investigar o tema do sofrimento no trabalho aliviando a relação causal utilizada pelos profissionais de psicopatologia do trabalho da época. Contudo, ao longo de seus estudos identificou que nem todos os trabalhadores adoeciam diante exigências e pressões organizacionais, como o modelo causal da psicopatologia preconizava, mas sim, que algumas pessoas eram capazes de lidar com as situações de forma diferenciada e preservavam sua saúde mental. Eles sofriam, mas sua liberdade se exercia, mesmo que de forma muito limitada, na construção de sistemas defensivos.
Você lembra daquele vídeo que viralizou na internet em outubro de 2020, do Valdo, o Gari que dançava Flor de Lis do Djavan no centro do Rio, tocada por um saxofonista artista de rua? Vale destacar uma parte no discurso do Valdo, quando foi entrevistado: “Essa junção de trabalho e divertimento é a minha vida. Tem que amar o que faz.”, comentou Valdo Conceição.
Você provavelmente conhece pessoas que lidam com as mesmas situações no ambiente de trabalho de forma diferentes. Para entender esta relação, Dejours abandona o conceito de modelo causalista de que o trabalho adoece e direciona o foco para problematizar o sofrimento gerado na relação homem-trabalho, deslocando seu foco investigativo das doenças mentais geradas pelo trabalho para o sofrimento e as defesas contra esse sofrimento.
A partir desse movimento, Dejours traz alguns conceitos que estão relacionados com a maneira como as pessoas lidam com as mesmas situações e condições, mas reagem de formas diferentes:
- Estratégias criativas e inovadoras – que ele chama de sofrimento Criativo, ou seja, utilizar formas para lidar com as situações que o colaborador precisa vivenciar, mas que pode ser amenizada por alguma estratégia.
- Carga psíquica – não é possível quantificar uma vivência que antes de tudo é qualitativa, não mensurável por estar inscrita na subjetividade.
- Noção de sofrimento – cada indivíduo com suas raízes na história singular vai categorizar as situações e percebê-las de maneira diferenciada.
- Equilíbrio – o resultado de uma regulação que requer estratégias defensivas especiais elaboradas pelos próprios trabalhadores.
Em termos econômicos, o prazer do trabalhador resulta da descarga de energia psíquica que a tarefa que ele realiza lhe proporciona, o que ameniza a carga psíquica do trabalho em si. Desta forma, o bem-estar está relacionado à ideia de ambiente gratificante levando os trabalhadores a gostarem do que realizam. Entende-se que se trata da “análise psicodinâmica dos processos intra e intersubjetivos mobilizados pela situação de trabalho”. Ou seja, a forma como as pessoas se articulam às exigências da organização do trabalho, revela como elas percebem, sentem e compreendem o que vivenciam.
Nesse contexto entendemos que em certas condições pode haver um sofrimento que pode ser atribuído ao choque entre uma história individual (carregada de projetos, de esperanças e de desejos, de crenças e valores) e uma organização do trabalho que ignora tudo isso. A partir daí, podemos pensar em motivação, liderança, clima, cultura organizacional, práticas de gestão de pessoas e etc.
Para Dejours, o trabalho é visto como mediador dos processos de saúde e adoecimento e pode atuar como fonte de saúde (prazer) tanto como de doença (sofrimento), dependendo da forma (organização) e condições nas quais é exercido. Então o trabalho pode trazer bem-estar ou me adoecer? Exatamente isso que Dejours quer dizer quando menciona que o sofrimento no trabalho pode ser entendido como o espaço de luta para manter o bem-estar, contra a doença mental ou a loucura. Para alguns vence o bem-estar, para outros a falta de saúde mental, e essa batalha vai depender, dentre muitas outras questões, da maneira como cada um escolhe sua estratégia de enfrentamento.
Estratégias para enfrentar mudanças e gerenciar eventos estressantes têm sido grandes aliadas na manutenção do bem-estar e da saúde mental dos trabalhadores. A capacidade de enfrentamento dos estressores por meio das estratégias de Coping promove o ajustamento ou adaptação aos estressores da vida diária e produz o bem-estar físico e psicológico, além de ajudar no processo de resolução, administrando a situação de estresse e minimizando as consequências.
Para que se mantenha o equilíbrio, é preciso ser capaz de flexibilizar os pensamentos, os comportamentos e as emoções, pois as estruturas de trabalho exigem, agora mais do que nunca, adaptações e estratégias para manter a qualidade de vida e as entregas. Mas para seguir nesse caminho, é preciso conhecer o seu repertório para lidar com as situações, administrando a situação estressora, avaliando o fenômeno percebido e se mobilizamos para usar seu repertório.
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