Para falar de boas práticas em Saúde e Segurança do Trabalho (SST) nos canteiros de obras, a Revista Preven Digital ouviu dois distintos representantes do mundo sindical na área da Construção Civil, Haruo Ishikawa, engenheiro, vice-presidente de relações Capital-Trabalho do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (SindusCon-Sp) e Antonio de Sousa Ramalho, presidente Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Civil de São Paulo (Sintracon-Sp).

O objetivo é saber como os dois representantes da categoria trabalham a temática, além da visão deles sobre cuidados com a saúde do trabalhador, prevenção a acidentes e também sobre os avanços conquistados nesta área.

A visão patronal

Para o vice-presidente do Sinduscon-Sp, maior sindicato patronal da América Latina, o principal ganho da norma regulamentadora foi a atualização que permite a incorporação de novas tecnologias ao canteiro de obras, mesmo não havendo uma norma específica, desde que um engenheiro com Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) responsabilize-se pelas medidas de proteção à saúde e integridade física do trabalhador, atestando sua segurança.

“A NR-18 foi revisada várias vezes. Um grande ganho foi a implementação da valorização da responsabilidade técnica. A inovação tecnológica na Construção Civil ocorre de forma muito rápida e as normas técnicas acabam não acompanhando esta rapidez.  Sugerimos e foi implementada na NR-18, o item 18.37. Com ele é possível que seja realizada a adoção de soluções alternativas  para lidar com essas novas tecnologias, desde que haja um engenheiro  identificado a partir da Anotação de Responsabilidade Técnica (ART), que ficará responsável pela adoção e segurança destas medidas, até que uma norma referente à nova situação entre em vigor. Isso permite a adoção de novas tecnologias, tornando o trabalho no canteiro de obras mais rápido, barato e eficiente e também a segurança dos trabalhadores, mesmo sem a existência de uma norma específica para aquela inovação”, explicou Ishikawa.

Conscientização e Boas Práticas

“Para o Sinduscon, a prevenção é muito importante, porque um acidente em um canteiro de obras significa, antes de tudo, a mutilação de uma família e também, no que diz respeito ao mercado, a redução da produtividade, daí a importância de investir em SST”, declarou o vice-presidente da entidade.

Ishikawa explicou ainda, que o Sindicato patronal investe em campanhas de conscientização e há dois anos vem realizando em parceria com o governo federal, a Campanha Nacional de Prevenção de Acidentes da Indústria da Construção (CANPAT) para “chamar a atenção sobre a importância da prevenção aos acidentes de trabalho”.

De acordo com o vice-presidente da entidade, no ano passado o slogan da campanha foi “Mais prevenção e menos queda”, lembrando que o maior fator de acidente de trabalho na construção civil com risco fatal são as quedas de altura.

“Campanhas precisam ser perenes”, avalia. “A Conscientização é muito importante. Não podemos iniciar uma campanha e depois paralisá-la. É preciso massificar a informação. Estas campanhas precisam envolver toda a sociedade, o setor produtivo, empregadores, o trabalhador e também o governo federal. O patronato vem investindo muito em prevenção, mas muitas vezes a visão sobre esta importância não é a mesma para toda a categoria. Senti muita falta do setor laboral, dos sindicatos representantes dos trabalhadores participando mais desta campanha”, disse.

No campo das boas práticas, o engenheiro mencionou duas contribuições do Sinduscon-Sp que considera que fazem a diferença para a área da construção civil.  A Megasipat e o Programa Sinduscon de Segurança (PSS).

“Há 20 anos nós promovemos a Megasipat. Por lei, as empresas no Brasil são obrigadas a realizarem as SIPATs (Semana Interna de Prevenção a Acidentes do Trabalho) e nós realizamos a Megasipat, que é a realização de um evento deste tipo para contemplar os profissionais que não tiveram oportunidade de participar da Sipat. São cerca de 15 eventos por ano em cidades do interior do Estado de São Paulo onde estão situadas as regionais do Sindicato. Trata-se de um evento que dura o dia inteiro, abordando questões da área da saúde do trabalhador e prevenção de acidente de trabalho”, explicou Ishikawa que também integra há 15 anos a Comissão Permanente Nacional sobre Condições e Meio Ambiente de Trabalho na Indústria da Construção (CPN), comissão tripartite do antigo Ministério do Trabalho e Emprego, criada pela NR 18.

Programa Sinduscon de Segurança (PSS)

Em parceria com o SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial), o SindusCon-Sp disponibiliza 11 técnicos de segurança, dois na capital e 09 espalhados pelas regionais do Sindicato que visitam obras dos associados ao Sindicato para orientação ao responsável pelo canteiro de obras para aplicação de melhorias no que diz respeito à proteção e saúde do trabalhador e às condições do meio ambiente de trabalho nos canteiros de obras, com base nas Normas Regulamentadoras de SST vigentes no país.

Redução de acidentes em canteiros de obras

De acordo com matéria publicada no site do Sinduscon em abril deste ano, entre 2012 e 2017, o Brasil reduziu em 55% os acidentes em canteiros de obras.  Os dados são do livro “Segurança e Saúde na Indústria da Construção – Prevenção e Inovação”, cujos autores são consultores especializados em diversas áreas relacionadas à Saúde e Segurança do Trabalho. A Obra é uma realização da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC).

Em 2017 foram registrados 549.405 acidentes de trabalho em todo o país, deste total 25.407 (cerca de 4,7%) correspondem à construção civil, 55% inferior ao registrado em 2012 (57.402 ocorrências).

Ainda de acordo com o texto, a economia para os cofres públicos com essa redução ficou estimada R$31 milhões, considerando o valor do custo médio para o Sistema Único de Saúde (SUS) com procedimento hospitalar em casos de acidente de trabalho registrado em 2016, de R$980,.

A visão do Sindicato Laboral

Na avaliação de Antônio de Sousa Ramalho, presidente do Sintracon-Sp, frequentador dos canteiros de obras há 51 anos, ex-deputado estadual em São Paulo (por dois mandatos) e pré-candidato à vaga para o comando da Prefeitura Municipal de São Paulo em 2022, a NR-18, após a revisão de 1995 é uma das melhores do mundo, porém, o que impede o avanço da SST na área da construção civil no país são fatores, como “diferença de cultura” em relação a outros países, cujo resultado é: empregadores e trabalhadores que negligenciam suas responsabilidades.

Além disso, Ramalho também credita a precariedade das condições de trabalho na construção civil a outras duas causas: fiscalização insuficiente. De acordo com ele existem menos de seis auditores fiscais para a cidade de São Paulo, que já ultrapassa a marca de 12 milhões de habitantes; o outro motivo é o monopólio das incorporadoras, que repassam às empreiteiras contratadoras um valor abaixo do preço de custo, ocasionando um estrangulando financeiro e a consequente precarização das condições de trabalho.

Diferença Cultural

“Se os empregadores aplicassem a norma como ela é e os nossos trabalhadores também entendessem a importância de colaborarem com a aplicação desta norma, diz ele, “nossos índices de doenças ocupacionais e de acidente de trabalho seriam zero. Não estaríamos falando de mortes, sequelas de acidentes ou de lesões por esforços repetitivos (LER), doenças respiratórias, etc, pois temos uma norma excelente e temos também equipamentos com qualidade suficiente para termos acidente de trabalho e doenças ocupacionais a nível zero”, avaliou o sindicalista, que também apresentou um breve histórico sobre a NR-18:

“Em 1978 surgiu a primeira norma regulamentadora, em pleno governo militar. Essa norma não serviu para muita coisa. Em 1995, porém, depois de muita luta, greves, debates, negociações tripartites (governo, empresário, trabalhadores) pelo Brasil a fora conquistamos o que chamamos de ‘Nova Norma Regulamentadora’, saindo de cento e poucos itens da norma de 1978 para 623  na norma de 1995. Atualmente, a norma possui mais de 1.500 itens, instituiu o Comitê Nacional tripartite e avançou muito.  Saímos de uma situação em que as condições de trabalho eram péssimas, sem banheiro decente, por exemplo, para chegarmos a uma norma que considero como uma das melhores do mundo. Conheci muitos países e a NR 18 é a melhor que conheço”, explicou.

Para o presidente do Sintracon-Sp, o fator cultural, que impede que a norma regulamentadora seja aplicada de forma correta, traz consequências e responsabilidades que se estabelecem da seguinte forma: “90% da situação que temos hoje é responsabilidade do empregador, que por considerar que está fazendo economia não conscientiza, não aplica normas, faz de conta no trabalho de conscientização; os outros 10% são de responsabilidade dos trabalhadores que também ficam desmotivados, vão para  o desalento e agem de forma irresponsável, dispensando o uso dos equipamentos de proteção individual (EPIs), por exemplo. É responsabilidade também do trabalhador cuidar da sua saúde e proteção para no final do dia poder voltar a salvo para os braços de sua família, sem nenhuma sequela”, afirma.

Atuação radical do Sindicato

O presidente do Sindicato laboral, falou ainda sobre a atuação do Sintracon-Sp.

“Nosso sindicato atua, mas não tanto na conscientização. Fazemos palestras, logicamente, mas o foco do nosso trabalho é um pouco mais radical por que o Ministério do Trabalho foi precarizado e desmontado. Temos na cidade de São Paulo menos seis auditores fiscais para uma cidade de 12 milhões de habitantes e 10.500 canteiros de obras.  Isso significa que, por mais que os auditores se esforcem e façam um trabalho bom, como de fato fazem, é impossível eles resolverem meio por cento das demandas existentes. Daí nosso sindicato caminha pelo lado da radicalização: visitamos a obra e a paralisamos para resolver todo tipo de irregularidades. Não apenas as que dizem respeito à SST, mas também sobre benefícios e direitos dos trabalhadores que não estão sendo atendidos. Esse mesmo empregador que não cumpre a norma, também não cumpre com a legislação, como registrar o trabalhador, aplicar a Convenção Coletiva, etc”, explica.

Monopólio das incorporadoras no país

“Não passa de 28 o número de empresas registradas na Associação Brasileira das Incorporadoras (ABRAINC)”. Esse monopólio tem arrebentado com as empreiteiras empregadoras, por que graças a ele, as incorporadoras repassam para empreiteiras, valor muito abaixo do custo e isso leva as empreiteiras a cometerem uma série de irregularidades para conseguirem manter a mão de obra.

Dois terços destas contratantes atuam na informalidade ou na ilegalidade, sonegam fundo de garantias, INSS, entre outros fatores. Quando chega a parte de SST, além de não conscientizarem, compram os equipamentos de pior qualidade existentes no mercado, sem certificação ou qualquer tipo de segurança.

Também devido à precariedade deste vínculo de trabalho, estas empreiteiras acabam não conseguindo convencer os trabalhadores a se adequarem ao que a NR manda, como participar de treinamentos e palestras de conscientização e segurança, por exemplo. “Neste contexto, os mais de 1.500 itens não são cumpridos nem um por cento”, criticou.