Entrevista concedia à Revista pela Ministra do TST Dra. Delaíde Miranda Arantes sobre os desafios decorrentes da pandemia na SST.

Leia a seguir

Revista Preven: para iniciarmos nossa entrevista, gostaríamos que discorresse um pouco sobre a sua trajetória e experiência de 40 anos na carreira jurídica, na magistratura trabalhista como ministra do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e como Coordenadora do Programa Nacional Trabalho Seguro, do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT/TST).

Ministra Delaíde Miranda Arantes: A minha carreira jurídica teve início como estagiária de um escritório de Advocacia Trabalhista em Goiânia, capital do meu Estado natal, Goiás. A graduação em Direito deu-se no início de 1980 há exatos quarenta anos. E nesse passo, relembrando que iniciei meus estudos na Zona Rural da cidade onde nasci, Pontalina, Estado de Goiás, onde morei e estudei até os 14 anos de idade, quando mudei para a Cidade e depois para a Capital.

Na carreira, após a graduação em Direito, continuei na escolha feita na área que iniciei no estágio, Advocacia Trabalhista, e durante 30 anos atuei na área trabalhista e sindical – por mais de vinte anos como titular de um escritório de advocacia em Goiânia, sempre com atuação em entidades de classe do campo jurídico.

Fui a primeira advogada mulher a exercer a presidência da Associação Goiana de Advogados Trabalhistas (AGATRA), atuação na Ordem dos Advogados, Seccional de Goiás como membro da Comissão Examinadora, Conselheira Seccional, Diretora Secretária e Diretora da Comissão de Direito do Trabalho, também integrando o Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) e o Instituto dos Advogados de Goiás (IAG), e integrando ainda, o Conselho da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas (ABRAT) e como membro do Conselho Estadual da Mulher (CONEM-GO) e da Associação das Mulheres de Carreira Jurídica (ABMCJ).

Em 1º de março de 2011 tomei posse no Tribunal Superior do Trabalho (TST) na função de Ministra, em vaga destinada à Advocacia pelo Quinto Constitucional para a composição dos Tribunais. A escolha em lista tríplice do TST foi feita pelo então Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. A nomeação deu-se em 11 de fevereiro de 2011 pela Presidenta Dilma Rousseff e ato de posse no TST em 1º de março do mesmo ano.

A carreira jurídica foi uma escolha de vida e de coração. Amo o que faço. Na magistratura que ingressei por último, há mais de 8 anos, a atuação se dá na condição de magistrada e de gestora. Além da função de julgar, administro um Gabinete onde trabalham em torno de cinquenta pessoas, entre servidores, prestadores de serviços, estagiários e aprendiz e um acervo de mais de nove mil processos. Integro o Tribunal Pleno do TST, a 2ª Turma Julgadora, da qual sou a Presidente, na atual gestão; a Subsessão de Dissídios Individuais2 (SBDI-2) e o Comitê Gestor do Programa Trabalho Seguro (PTS) do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT/TST), da qual sou a Coordenadora nesta Gestão 2020/2022.

A condição de Servidora Pública Federal, como Ministra da mais alta Corte da Justiça do Trabalho no Brasil traz enorme responsabilidade, exige muita dedicação, trabalho em jornada dupla, estudos, pesquisas e formação continuada. Considero-me uma obra em elaboração e a cada dia procuro agregar novos conhecimentos e experiências, tanto pessoais quanto profissionais e de vida, além de procurar manter ouvidos, coração e mente voltados à busca em me tornar uma pessoa melhor e mais humana e assim contribuir para a construção de uma sociedade mais justa, humana e igualitária preconizada na Constituição Federal Cidadão de 1988.

Revista Preven: Antes de entrar no tema da Saúde e Segurança no Trabalho gostaríamos de saber como tem sido a sua vivência e o aprendizado no trabalho e na vida nesse tempo único de pandemia da COVID-19, isolamento social e trabalho remoto.

Ministra Delaíde Miranda Arantes: A vivência tem sido muito interessante. E são tempos de muito aprendizado. As dificuldades, o sofrimento e a estranheza precisam ser transformados em oportunidades. Ouvi de um médico e pesquisador, numa Live do Programa Trabalho Seguro da 11ª Região da Justiça do Trabalho, que essa vivência é muito preciosa e que será uma oportunidade única da humanidade, em todos os tempos de observar, de refletir, conviver com a família e os amigos, ainda que de forma diferente do habitual; ajudar outras pessoas com necessidades e vulnerabilidades e nos construir como seres humanos melhores.

O trabalho remoto tem sido uma experiência importante no sentido de que é possível a reinvenção de nós mesmos em circunstâncias adversas. Tenho trabalhado bem mais que o habitual em termos de tempo, sem a ajuda da estrutura de organização do trabalho presencial do Gabinete. Do ponto de vista de qualidade tenho tido condições de aprimorar. O meu olhar de gestora sobre a equipe que coordeno, de quase cinquenta servidores e servidoras, é que se esboçam diversas situações. Em alguns casos, trabalhos habituais sofreram queda de qualidade, embora sem afetar a produtividade, que ao contrário, foi superior ao trabalho presencial em mais de vinte por cento, considerando todo o primeiro semestre.

Revista Preven: no Programa Nacional de Prevenção de Acidentes de Trabalho (Programa Trabalho Seguro) da Justiça do Trabalho, no qual atua como Coordenadora Nacional, o que destacaria de mais importante e urgente para os trabalhadores, considerando as distintas realidades socioeconômicas da massa trabalhadora e da importância da prevenção de acidentes e doenças ocupacionais para as empresas?

Ministra Delaíde Miranda Arantes: O raciocínio que permeia as minhas respostas se dá no contexto desse momento de pandemia e isolamento social, bem como as perspectivas do futuro que se avizinha, do pós-pandemia. Visto o mundo do trabalho como um todo. Falar do mais importante e urgente para os trabalhadores, um contexto de um País tão desigual como o Brasil, tem várias vertentes. O mais importante para os trabalhadores nesse momento, é sua valorização, reconhecimento da importância do trabalho e da pessoa humana do trabalhador e do trabalho digno, de sua centralidade, assegurado na Constituição Federal.

Nesse momento é fundamental a conscientização sobre a saúde e segurança no Trabalho, mas é muito difícil para os brasileiros e brasileiras assalariados, em razão do alto índice de desemprego e do temor de perder o emprego em meio a uma crise e recessão sem precedentes.

Muito importante o trabalhador do setor privado brasileiro ter assegurada, a garantia de  emprego contra a despedida imotivada – assegurado no artigo 7º, Inciso I, da Constituição Federal, não regulamentado até hoje, e na Convenção 158, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil e denunciada no Governo FHC. Sem essa garantia o trabalhador tem dificuldades para exigir um ambiente de trabalho seguro, mesmo conscientizado da importância para preservar a vida e a saúde.

Revista Preven: quais os principais desafios da Justiça do Trabalho em um cenário de profundas desigualdades sociais e com realidades regionais tão distintas em que vivemos, especialmente com altas taxas de desemprego e de marginalizados no mercado de trabalho?,,,

Ministra Delaíde Miranda Arantes: No cenário atual a Justiça do Trabalho tem inúmeros desafios. O papel institucional, a Justiça do Trabalho cumpre com grande êxito, desde a sua instituição em 1941, sem conseguir, no entanto, como os demais ramos do Judiciário brasileiro, dar solução ao grande volume de processos em menor espaço de tempo. No tempo presente, todos os desafios inerentes a um ramo do judiciário que instrumentaliza um direito social por natureza ficam aumentados, exacerbados e o Tribunal Superior do Trabalho (TST), os vinte e quatro (24) Tribunais Regionais do Trabalho e os Juízes e Juízas do Trabalho que atuam nas Varas do Trabalho do Brasil, nas cinco (5) Regiões geográficas da Justiça do Trabalho, enfrentam o aumento do número de ações trabalhistas e a Justiça do Trabalho é chamada a decidir conflitos coletivos e individuais normais, de sua competência natural e ainda os que decorrem dos efeitos da pandemia, como demissões em massa, reduções salariais, fechamentos de empresas e tantos outros fatos inerentes a momentos de grandes crises.

A Justiça do Trabalho enfrenta nesse momento, o desafio de dirimir os conflitos entre capital e trabalho, em tempos de crise econômica, social e política, de desemprego crescente. Os processos trabalhistas versam em sua maioria, sobre crédito de natureza alimentar, e por isso a demora na solução traz consequências muito danosas para os trabalhadores. Do acervo de processos pendentes de julgamento pela Justiça do Trabalho, existe um número bastante elevado de demandas relativas a acidentes do trabalho e doenças ocupacionais, as quais têm estatutos de ações com direito a julgamento preferencial, em decorrência de uma Recomendação GP/CGJT nº 1/11, da gestão do Ministro João Oreste Dalazen, idealizador do Programa Trabalho Seguro (PTS) e aprovado em sua gestão 2011/2013.

A Justiça do Trabalho enfrenta, ainda, o desafio dos ataques que vem sofrendo, em que determinados segmentos da política e da elite brasileira defendem a sua extinção. É muito importante a reafirmação da importância de uma justiça social forte, eficiente e que bem cumpre o seu papel institucional, conquistando por isso o reconhecimento de sua imprescindibilidade junto a diversos segmentos da sociedade brasileira.

Revista Preven: falando em desemprego, observamos que os mais afetados são os jovens e os trabalhadores com mais de 55 anos de idade. Como vê esta realidade, e o que é possível ser feito no sentido de que essas pessoas se sintam motivadas a buscar novas oportunidades em um mercado de trabalho recessivo e de poucas oportunidades para esse perfil de trabalhador?

Ministra Delaíde Miranda Arantes: Considerando que o nosso País é um dos mais desiguais do mundo, é preciso levar em conta as condições como vive um contingente grande de brasileiros, sem dúvidas, em situação de grandes vulnerabilidades, e não somente os jovens e idosos. Em um breve retrato do mundo do trabalho no Brasil, estatísticas dão conta de que, dos quase noventa milhões de brasileiros do mercado ativo, mais de setenta por cento (em torno de 72%) ganham até dois salários mínimos.

E ainda, que mais de cinquenta por cento trabalham em micro e pequenas empresas (dados do SEBRAE). E ainda de acordo estatísticas recentes, em torno de cinquenta por cento (50%) de nossas moradias não têm acesso a serviços de esgoto sanitário; trinta e três (33) milhões de brasileiros vivem sem abastecimento de água potável, em diversos estados do norte, e nas favelas espalhadas pelo Brasil, mais de vinte por cento (20%) das moradias, três (3) ou mais pessoas vivem em um único cômodo.

Essas informações, somente para contextualizar; agora, a situação de empregabilidade na crise econômica, política e social somada à pandemia com graves consequências para os negros, os pobres e vulneráveis atinge em cheio os jovens sem experiência profissional, diminuindo as possibilidades de colocação no mercado e os idosos, que antes mesmo da pandemia já enfrentavam dificuldades para a inserção no mercado de trabalho.

A pandemia, na verdade, reforçou a ideia de que pessoas mais velhas são vulneráveis agravando ainda mais a discriminação contra os mais velhos. Da mesma forma, a discriminação contra os jovens em questões relacionadas a formação, a pouca experiência no trabalho, também fica exacerbada com a pandemia, a crise e o desemprego.

Mas não posso concluir a resposta a essa indagação, sem uma palavra de esperança. Insisto assim, que não percam a esperança e continuem na luta por um espaço no mercado de trabalho, por meio da resistência ao sistema de exclusão de mulheres, negros, jovens e idosos. Do investimento possível em formação, em instrução, educação e cultura, enfrentando as dificuldades, as barreiras e pensando na melhoria das condições sociais, na derrota do neoliberalismo, na preponderância do mercado e na necessária conquista do Estado de Bem Estar Social.

Revista Preven: falando um pouco sobre a precarização do trabalho em alguns setores da economia, especialmente o de prestação de serviços de entrega, qual tem sido o papel da Justiça do Trabalho no sentido de garantir e assegurar as condições mínimas de segurança e saúde desses trabalhadores?

Ministra Delaíde Miranda Arantes: Os postos de trabalho em plataformas, não somente os de entregador, como os trabalhadores de UBER e outros trabalhos oriundos de novas tecnologias constituem um grande desafio para a representação sindical, para o mundo do trabalho e para a sociedade brasileira e de modo especial, para o Direito do Trabalho e para a Justiça do Trabalho.

Ainda não tem uma jurisprudência consolidada sobre a relação de emprego ou sobre direitos trabalhistas e sociais aos trabalhadores de plataformas, como o UBER ou o de entregadores. Existem decisões de Primeiro Grau em algumas Regiões, acórdãos de Tribunais Trabalhistas num sentido e noutro. O trabalho dos entregadores ainda pouco discutido antes a pandemia, ganhou as páginas dos jornais da grande mídia, muito em função do aumento da demanda desses serviços, de acidentes do trabalho, da falta de assistência e de direitos mínimos aos trabalhadores.

Recentemente foi apresentado na Câmara Federal um Projeto de Lei para regulamentar o trabalho de entregas; artigos doutrinários e estudos estão surgindo. O certo é que o trabalho desprotegido, sem garantir direitos trabalhistas, sociais e previdenciários deixa muito vulnerável o trabalhador exposto a acidentes e doenças ocupacionais, sem direito aos benefícios da Previdência Social e sem direito a aposentadoria. É uma situação que precisa urgentemente ser discutida em amplo diálogo social e assegurada proteção ao trabalho e ao trabalhador, pois a precariedade da prestação dos serviços, as más condições do ambiente de trabalho e a baixa remuneração contribuem para o empobrecimento da classe trabalhadora e para o aumento do índice de trabalho precário, e em condições de informalidade.

Revista Preven: poderia esclarecer se há, de fato, ausência de legislação específica para esta relação de trabalho, a qual é totalmente atípica, e como ficam esses trabalhadores diante da extrema vulnerabilidade a todo tipo de exploração a que são submetidos? Como percebe essa situação?

Ministra Delaíde Miranda Arantes: É uma situação muito preocupante e principalmente se for considerado que hoje no Brasil, 45 milhões de brasileiros utilizam alguma plataforma digital como meio, ou para ajudar na subsistência, de acordo com o Instituto Locomotiva. E o mais grave é que não existe no Brasil legislação protetiva para os trabalhadores informais, os quais prestam serviços sujeitos a acidentes, adoecimentos, com vencimentos muito aquém do necessário para a sobrevivência própria e de suas famílias.

Como é natural em casos de exploração do trabalho, vêm surgindo diversos movimentos reivindicatórios; recentemente ocorreram grandes manifestações de rua em diversas cidades do Brasil. E um desses movimentos de defesa dos entregadores tem uma denominação bem interessante, na linha das discussões políticas atuais: “Entregadores Antifascitas”.

Analisando os momentos históricos no Brasil e no mundo em que foram conquistados direitos da classe trabalhadora, pode-se afirmar que é imprescindível na situação atual, a mobilização dos trabalhadores, a atuação ativa dos entes associativos, dos humanistas e da sociedade em geral. O movimento sindical tem relevante papel na defesa dos interesses das categorias de trabalhadores e por isso é fundamental que se mantenham fortes e atuantes, a fim de dar visibilidade e trazer esses grandes temas para a discussão da sociedade e do mundo do trabalho, dentre eles a discussão sobre a importância da regulamentação dos direitos dos trabalhadores em plataformas digitais, que prestam serviços na informalidade o que os torna vulneráveis. E são todos/as assalariados/as que têm em suas forças de trabalho a única fonte de sustento próprio e de suas famílias.

Percebo esta situação com bastante preocupação. E a situação se agravou muito com a aprovação da lei 13.467/17, a chamada lei da reforma trabalhista, que aprovou várias modalidades de contratações precárias como a terceirização ampla, o trabalho intermitente, o trabalho autônomo exclusivo, na contramão das garantias da Constituição Federal de 1988 que traz entre os fundamentos do Estado Democrático de Direito, no artigo 1º, incisos III e IV, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho, além dos Princípios do Direito do Trabalho e das garantias asseguradas em normas e tratados internacionais da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que juntos reafirmam a centralidade da pessoa humana e a proteção de sua dignidade como conquista da humanidade.

Revista Preven: o professor Guy Standind, em seu livro ‘O Precariado’, nos traz o conceito de ‘uberização do trabalho’ que, segundo o autor, ‘está gerando nômades urbanos que sobrevivem através de um subemprego e que estão despossuídos dos seus principais direitos de cidadania e dignidade, criando a classe de sub cidadãos’; como interpreta esse fenômeno no Brasil e no mundo?

Ministra Delaíde Miranda Arantes: A resposta a essa indagação exige uma incursão por alguns fatores que contribuíram para o estágio atual de flexibilização e desregulamentação dos direitos trabalhistas e sociais, mesmo tendo sido erigidos a condição de direitos constitucionais a partir da promulgação da Carta Magna de 1988. A começar pelo chamado fenômeno da globalização, que ao invés de promover a igualdade global, combater a desigualdade, a pobreza e a miséria, taxar as grandes fortunas e promover uma melhor distribuição de rendas; atua no mundo inteiro na contramão, reforçando a concentração de rendas e incrementando medidas de redução e retirada dos direitos dos trabalhadores.

O mercado, para impor sua hegemonia pelo projeto neoliberal, com a pregação de ‘menos estado e mais mercado’, o discurso do Estado Mínimo contra o estado de bem-estar social que afeta milhões de trabalhadores em todo o mundo. O fundamento desta tendência de desregulamentação da legislação social está no centro da crise do estado social, com a globalização da economia em que o neoliberalismo se coloca contra o intervencionismo estatal gerando a crise do estado de bem-estar, em prejuízo da classe trabalhadora como um todo, não somente aos que trabalham mediante vínculo empregatício. No âmbito das relações trabalhistas, a crise se agrava dia a dia, cresce o número de desempregados, o trabalho informal e o subemprego, principalmente após a aprovação de diversas formas de contratações precárias trazidas com a chamada reforma trabalhista da Lei 13.467/17.

Muito interessante e atual a obra de Guy Standing que estreio com o título “The Precariat” e foi lançado no Brasil como “O Precariado”. Publicado em inglês em 2011 já foi traduzido em 23 idiomas em todo o mundo iniciando diálogos sobre salários, aluguéis, insegurança em nível global. E o autor relata em entrevista de 10 de março de 2019 (dmtemdebate.com.br/guy-standing-sobre-ansiedade-e-raiva-e-anienacao-uma-entrevista-sobre-o-precariado) que chegou a produzir para a Organização Internacional do Trabalho (OIT) um relatório de 500 páginas intitulado “Segurança Econômica para um Mundo Melhor”, em 2004, mas que não foi publicado por interferência dos representantes dos EUA que integram o Conselho da OIT.

Revista Preven: desde o ano passado estamos passando por muitas mudanças sobre questões relacionadas às Normas Regulamentadoras. O que essas mudanças trazem, de fato, no sentido de beneficiar a segurança dos trabalhadores?

Ministra Delaíde Miranda Arantes: das mudanças implementadas, e algumas no campo das tentativas no atual governo, nenhuma delas teve por objetivo beneficiar a segurança dos trabalhadores. Ao contrário, o sentido foi a precarização, iniciando pela extinção do Ministério do Trabalho e Emprego no início da atual gestão do Governo Federal. Redução dos quadros da fiscalização do Trabalho, incorporação da Secretaria Nacional do Trabalho ao Ministério da Economia, declarações do chefe da Nação brasileira de que as Normas Regulamentadoras deveriam ser reduzidas em noventa por cento e outras medidas adotadas, todas em prejuízo da saúde e de condições de trabalho seguras.

Revista Preven: Qual expectativa o TST possui em relação à futura Norma NR1 prevista para entrar em vigência no dia 09 de março de 2021, e que trata da Gestão de Riscos Ocupacionais? tem alguma expectativa a respeito do cumprimento da norma por parte das empresas, considerando que gestão requer planejamento e adequação, assim como alinhamento às exigências organizacionais, e ainda, que a maioria das empresas não coloca no papel aquilo que fazem no dia a dia? Como solucionar essa questão?

Ministra Delaíde Miranda Arantes: A NR-01 é uma norma que estabelece “Disposições Gerais e Gerenciamento de Riscos Ocupacionais” e tem por objetivo estabelecer disposições gerais e definições às Normas Regulamentadoras, assim como diretrizes e requisitos para gerenciamento de riscos ocupacionais, e como medidas de prevenção em Saúde e Segurança no Trabalho (SST). O novo texto foi publicado pela Portaria 6.730/2020, da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia e entra em vigor em 12 de março de 2021.

Sem a pretensão de discutir a NR-01 no espaço de uma entrevista, o que se pode observar é que a pretensão governamental não é de investir em SST, nem aprimorar o sistema das Normas Regulamentadoras. A sinalização é em sentido contrário, mesmo sendo a saúde e segurança no trabalho um direito fundamental assegurado na Constituição Federal de 1988, na Consolidação das Leis do Trabalho e em Normas Internacionais do Trabalho, a exemplo da Convenção nº 155, da Organização Internacional do Trabalho. Sem discussão com a sociedade ou o mundo do trabalho, o governo atual busca consenso para alterar normas legais relativas a saúde e segurança dos trabalhadores, precarizando ainda mais as condições de trabalho e submetendo os trabalhadores aos interesses econômicos do setor empresarial. Algumas medidas nessa área têm sido levadas ao Judiciário, por ação do Ministério Público do Trabalho (MPT), o que redundou na suspensão da pretendida revisão da NR-17, de proteção ao trabalho dos bancários.

Revista Preven: a Organização das Nações Unidas (ONU) publicou relatório discutindo políticas públicas sobre saúde mental, em que destaca a importância deste tema nos tempos atuais, especialmente no ambiente de trabalho. Em seu olhar, qual é a expectativa do TST diante do enfrentamento das questões da saúde mental do trabalhador após a pandemia? Acredita que haverá aumento de demanda trabalhista decorrente deste fenômeno?

Ministra Delaíde Miranda Arantes: No Programa Trabalho Seguro (PTS) já trabalhamos com o tema saúde mental no trabalho, no âmbito de toda a Justiça do Trabalho. Foi um tema que teve bastante repercussão e grandes discussões, pois o que se constata é que existe um leque enorme de doenças mentais ocupacionais. Na gestão 2018/2020, o TST instituiu inclusive uma comissão de combate ao assédio moral no trabalho, que é uma das vertentes de adoecimento decorrente de relações de trabalho em ambientes não saudáveis.

Agora com a pandemia, a previsão é que a situação do adoecimento mental se agrave bastante, em razão dos efeitos negativos do trabalho remoto, da solidão que provoca, do novo, do medo, inclusive de perder o emprego e ainda, ter que lidar com uma pandemia fora de controle, onde ninguém tem informações seguras sobre as consequências ou sobre o futuro. Com certeza haverá aumento da demanda de ações trabalhistas na Justiça do Trabalho. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Supremo Tribunal Federal (STF), o Tribunal Superior do Trabalho (TST) têm manifestado a preocupação com o pós-pandemia em todos os ângulos que envolvam os trabalhadores, as empresas, o ambiente de trabalho. O CNJ criou recentemente a “Comissão Permanente de Políticas Sociais e de Desenvolvimento do Cidadão”, a fim de concentrar esforços para auxiliar magistrados e gestores públicos na tomada de decisões e evitar sobrecarga de ações judiciais na área da saúde, considerando que a promoção de políticas de fortalecimento dos direitos sociais está inserida na competência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Revista Preven: o TST considera alguma sugestão politica junto ao Ministério da Economia por meio da Secretaria do Trabalho para o enfrentamento desta questão, já que no Brasil não temos algo especifico para esse tema?

Ministra Delaíde Miranda Arantes: Em tempos recentes, o tema do biênio do Programa Trabalho Seguro foi a saúde mental no trabalho, o que foi amplamente discutido no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho e nos Tribunais Regionais do Trabalho, nas cinco regiões geográficas da Justiça do Trabalho. Mas no momento presente, não existe no âmbito do TST nenhuma sinalização no sentido de apresentar sugestões ao Ministério da Economia, por meio da Secretaria do Trabalho, quanto à política institucional de enfrentamento das questões de saúde mental ou de seu agravamento em função da pandemia. Mas com certeza, sendo a questão submetida a debate com a sociedade por meio de audiências públicas ou outras formas do diálogo social, o TST participará e dará sua contribuição.

Revista Preven: quais são as prioridades e alternativas de atuação para a Justiça do Trabalho de forma a colaborar com a prevenção de acidentes do trabalho e com doenças relacionadas ao trabalho?

Ministra Delaíde Miranda Arantes: A Justiça do Trabalho atua por meio do Programa Trabalho Seguro, o PTS, que é um programa de âmbito nacional, do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT). Na atual gestão, o Programa trabalha com metas que estão sendo delineadas e ampliadas para se adequar a esse momento de mudanças e que requer atenção especial com a saúde e a segurança no trabalho.

O tema do biênio 2020/2022 do Programa Trabalho Seguro é “Construção do Trabalho Seguro e Decente em tempos de crise”.

No contexto da pandemia no Mundo do Trabalho e após a definição do tema do PTS para o biênio 2020/2022 foram operacionalizadas consultas aos Gestores Regionais Nacionais (um em cada uma das 5 regiões geográficas da Justiça do Trabalho) e aos Gestores Regionais que atuam nos 24 Tribunais Regionais do Trabalho do Brasil e a partir daí, a Comissão Nacional compilou o material para o ano de 2020, que inclui, dentre outras metas de saúde e segurança, atuação em parceria com as Escolas Judiciais, instituições públicas e privadas para divulgar medidas de prevenção física e mental durante e após a pandemia da COVID-19; colaborar com os Tribunais Regionais para promoção de medidas de segurança e saúde dos magistrados e servidores, em razão da Covid-19 e especialmente no que se refere à retomada gradativa do trabalho presencial.

A prioridade da Justiça do Trabalho é sempre no sentido de cumprir sua missão enquanto instituição. E no contexto de uma crise como a da pandemia da COVID-19, no contexto dessa entrevista ao Programa Trabalho Seguro do CSJT, a prioridade é o ambiente seguro para o trabalho, a preservação da vida e da saúde de todos os brasileiros e brasileiras.

Revista Preven: em sua opinião, quais são os maiores desafios à SST no Brasil nos próximos anos?

Ministra Delaíde Miranda Arantes: os maiores desafios de Saúde e Segurança no Trabalho, em tempos de pandemia da COVID-19 é manter o isolamento social, recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), reforçar o uso de máscaras e todas as formas de prevenção, segurança e saúde no ambiente de trabalho. A defesa da vida, como prioridade absoluta.

Em obra lançada recentemente pela Editora Juruá, a Professora e especialista em Direito do Trabalho, Maria Alaíde Bruno Teixeira, na obra “Saúde do Trabalhador e a Reforma Trabalhista”, bem descreve sobre enfrentamento aos desafios em matéria de SST; são posições que adoto por inteiro: o desafio da proteção à saúde do trabalhador no Brasil; da atuação dos profissionais do Direito em matéria de SST; o desafio de “conciliar produtividade e proteção à saúde do trabalhador, refere-se à necessidade premente de desmistificar a máxima de que prevenção à saúde e a segurança do trabalhador são sinônimo de custo… É preciso demonstrar que investir na saúde do trabalhador traz vantagens para o empregador, para os gestores e líderes, para o empregado, à sociedade de um modo geral, e, até mesmo para a União, com a redução do pagamento de benefícios previdenciários decorrentes de acidentes e doença do trabalho” (pág.317/318).

Revista Preven: para concluir a nossa entrevista, qual é a sua opinião sobre os impactos que teremos no mundo do trabalho em razão das mudanças decorrentes da COVID-19?

Ministra Delaíde Miranda Arantes: Os impactos da crise atual no mundo do trabalho e atualmente, e será no futuro, de grandes proporções, e principalmente se for considerado que não existe só a crise da COVID-19, mas o Brasil vive crise econômica, social, política, crise de empregabilidade. Os rumos da economia brasileira e do governo central são excludentes dos direitos das minorias, dos direitos dos trabalhadores e da população desassistida em geral. Não é possível enxergar uma luz no fim do túnel que aponte para o crescimento econômico, para a melhoria da educação, para a instituição de renda mínima para os milhões de desempregados, nem para investimentos mais expressivos em saúde, educação e cultura, que poderiam fazer tanta diferença na vida da maioria do povo brasileiro. Não tem políticas para assegurar os direitos humanos ou para a valorização da pessoa humana. Nem tampouco há projetos para taxação de grandes fortunas ou qualquer medida eficiente capaz de reduzir o impacto negativo da grande concentração de rendas do Brasil.

É necessário ter esperança! Lutar, participar e resistir a tudo que é contrário à dignidade da pessoa humana assegurada em nossa Constituição Federal Cidadã de 1988 e em Normas Internacionais do Trabalho, muito especialmente por Convenções e Tratados da Organização Internacional do Trabalho, ratificadas pelo Brasil, lembrando que o País assumiu perante a Organização o compromisso de implementação do trabalho decente, agora reafirmado em documento de seu centenário de criação, firmado no âmbito dos cento e oitenta e seis países membros da OIT.

 

Delaíde Alves Miranda Arantes

Ministra TST