No final do mês de dezembro de 2019, a China relatou à Organização Mundial da saúde (OMS) diversos casos de uma pneumonia, até então de etiologia desconhecida, na cidade de Wuhan, província de Hubei.
Pouco tempo depois, em 9 de janeiro de 2020, as autoridades anunciaram que esta doença é provocada por um novo coronavírus, e foi denominada de Síndrome Respiratória Aguda Grave Coronavírus 2, a Sars-CoV-2.
Posteriormente, a doença provocada pelo novo coronavírus ficou conhecida como COVID -19, sendo o termo “COVI” referente ao coronavírus, a letra “D” à doença e “19” referente ao ano em que a doença foi observada pela primeira vez.
Os coronavírus são uma grande família de vírus. Vários deles são conhecidos dos pesquisadores e circulam em animais, porém sem infecção em seres humanos.
Ao longo dos anos foi observado o surgimento de novos coronavírus; alguns destes apresentam capacidade de infectar humanos, com potencial que varia desde vírus que causam doenças de menor gravidade (a exemplo do resfriado comum), a outras de maior gravidade como ocorreu com a Síndrome Respiratória Aguda Grave Coronavírus (Sars-CoV) nos anos de 2002 a 2003, responsável por 8 mil casos e 774 mortes em 37 países, e a Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS-COV) no ano de 2012, quando foram registrados 2.494 casos e 858 mortes em 27 países.
O novo coronavírus responsável pela COVID-19 mostrou-se com capacidade de infectar seres humanos, com propagação de pessoa para pessoa, e gerar desde infecção assintomática a quadros graves que levam à morte.
Rapidamente, esse vírus se disseminou e passou a circular em diversos países do globo com milhões de infectados e milhares de mortes gerando uma crise sanitária global.
Isso levou a OMS, em 30 de janeiro de 2020, a decretar emergência de saúde pública de importância internacional e posteriormente (em 11 de março de 2020) a caracterizar a COVID-19 como uma pandemia.
Aqui no Brasil, inicialmente eram apenas acompanhadas as notícias sobre o novo coronavírus e a COVID-19 em outros países, mas em fevereiro de 2020 já havia casos importados da doença, através de brasileiros que haviam viajado para a Europa.
Já em março deste ano, capitais como São Paulo e Rio de Janeiro apresentavam transmissão comunitária do vírus.
Um vírus de transmissão de pessoa para pessoa, que rapidamente se espalhou e pouco conhecido pela ciência, ainda sem descrição científica da profilaxia, tratamento ou vacina com eficácia comprovada (especialmente a nível populacional) levou as autoridades a recomendarem o distanciamento social como a principal arma de combate à sua disseminação.
O fato é que diante desse cenário, a atual pandemia afetou substancialmente a vida e o exercício profissional de grande parte da população mundial e brasileira.
Falando especificamente sobre o exercício da Odontologia, em 12 de março de 2020, o Conselho Federal de Odontologia (CFO) emitiu uma nota na qual recomendava cautela e cuidado nas atividades desempenhadas pelos profissionais de saúde bucal, solicitando atenção redobrada na utilização efetiva dos equipamentos de proteção individual.
Os profissionais que trabalham com a saúde bucal são especialmente expostos ao novo coronavírus, pois a transmissão deste se dá por meio de contato com secreções da orofaringe de pessoas contaminadas ou contato com aerossóis e com superfícies contaminadas.
Poucos dias depois (em 18 de março), o CFO emitiu um ofício solicitando ao Ministério da Saúde que recomende a suspensão dos atendimentos odontológicos eletivos, mantendo apenas os atendimentos nas urgências odontológicas.
Essa solicitação foi acatada pela Coordenação-Geral de Saúde bucal do Ministério da Saúde através da Nota técnica nº 9/2020-CGSB/DESF/SAPS/MS.
Em adição, foi assegurado aos Governadores e Prefeitos pelo Supremo Tribunal Federal a competência para adoção de medidas restritivas em seus territórios durante a pandemia da COVID-19.
Com isso, muitos decretos de diversos municípios restringiram o atendimento odontológico eletivo, mantendo os de urgência.
Em meio a esse contexto, em abril de 2020, a deputada Patrícia Ferraz apresenta o projeto de lei para regulamentar a Odontologia à distância (Projeto Lei 1253/20) em caráter temporário.
Nesse texto, a teleodontologia seria para que o cirurgião dentista prestasse suporte assistencial, consulta, monitoramento, diagnóstico, emissão de atestados e receitas com assinatura eletrônica, tanto no Sistema Único de Saúde (SUS) quanto na rede privada.
Mas, a regulamentação da Odontologia à distância veio por meio de uma resolução do CFO publicada em 4 de junho de 2020, resolução 226/2020.
Essa resolução traz objetivos e vetos diferentes do projeto de lei supracitado. Já em seu artigo primeiro, a resolução veta o exercício da prática odontológica a distância para fins de consulta, diagnóstico, prescrição e elaboração de plano de tratamento.
E em sequência admite a teleinterconsulta, com a troca de informações e opiniões entre cirurgiões-dentistas, e o telemonitoramento realizado por cirurgião-dentista, através do acompanhamento a distância de pacientes que já estivessem em tratamento, devendo esse ser registrado em prontuário.
Admite, ainda, que cirurgiões dentistas realizem teleorientação, com objetivo exclusivo e único de identificar o melhor momento para a realização do atendimento presencial.
Mediante conteúdo novo para muitos cirurgiões-dentistas, diversas dúvidas sobre a prática da Odontologia a distância surgiram e o CFO lançou um guia de esclarecimentos.
Inicialmente, este guia ressalta que o principal objetivo da resolução 226/2020 é regulamentar o acesso à assistência odontológica, prezando pela qualidade e segurança de profissionais e pacientes neste momento de pandemia, bem como valorizar a relação cirurgião-dentista/ paciente.
O guia deixa claro que os pontos principais da resolução são regulamentar o atendimento a distância de pacientes que já estão em tratamento, inclusive com telemonitoramento entre as consultas, e a teleorientação de pacientes que têm dúvidas sobre o melhor momento de ir ao consultório.
Outra questão ressaltada na resolução e no guia é a Telessaúde na Odontologia (estratégia de Saúde digital no âmbito do SUS), prática que já existia antes da pandemia e representa um canal em que um cirurgião-dentista troca informações e opiniões sobre casos de pacientes com outro cirurgião-dentista, tudo realizado à distância, englobando ações de teleassistência e teleducação.
Ainda no sentido do teletrabalho, o guia esclarece que esses atendimentos a distância são passíveis de cobrança e devem ser registrados em prontuário, uma vez que se trata de uma modalidade de trabalho agora regulamentada para todos os cirurgiões-dentistas.
Essa modalidade de trabalho já foi regulamentada por outras profissões da saúde, a exemplo da Medicina, na qual é permitido aos médicos a realização de consultas e prescrições.
O caso da Odontologia é diferente, inclusive, no contexto da pandemia, quando o teleatendimento na Odontologia ganhou mais notoriedade; houve muitas críticas a essa modalidade, visto que a prática da clínica odontológica é permeada pelo exame clínico e por procedimentos odontológicos.
A resolução e o guia deixam claro que é vetado ao cirurgião-dentista a realização de consultas (inclusive a teleconsulta já era proibida pela lei 5.081/66, no artigo 7, e pelo Código de ética Odontológica), diagnóstico, prescrição e elaboração de plano de tratamento à distância.
O guia esclarece que o veto para a possibilidade da prescrição à distância se deve ao fato de o CFO ainda aguardar o desenvolvimento de plataforma virtual com certificação digital para assegurar verificação de veracidade e uso único da receita na farmácia, mas assegura que breve essa tecnologia estará disponível para cirurgiões-dentistas.
Outro ponto que a resolução veta é a possibilidade que as operadoras de planos de saúde odontológicos e demais pessoas jurídicas utilizem o termo teleodontologia como publicidade e propaganda.
O guia de esclarecimentos justifica que esse veto tem por objetivo evitar a exploração meramente comercial da situação, dos profissionais e dos pacientes.
Atualmente vivemos no Brasil a fase de flexibilização das regras das medidas restritivas, sendo o atendimento odontológico eletivo retomado gradualmente em muitas regiões do país.
Há diversas recomendações e adaptações nos atendimentos ainda com o objetivo de combater a disseminação do novo coronavírus.
Um grande exemplo disso são as novas regras de biossegurança, que muitos denominaram de “novo normal”.
Sobre o questionamento a respeito da validade da regulamentação da teleodontologia (se apenas durante o período da pandemia da COVID-19), o guia esclarece que independente do momento, a teleodontologia estará regulamentada para ser exercida pelos cirurgiões-dentistas, ampliando a oferta de seus serviços aos pacientes.
Por motivos óbvios, a teleodontologia não irá substituir o atendimento odontológico presencial, mas é uma ferramenta a mais, e como tantas outras ferramentas apresenta vantagens (a exemplo da diminuição da exposição às infecções, redução de custos, possibilidade de triagem e conveniência para o paciente) e desvantagens (sendo a principal delas a impossibilidade de examinar o paciente).
Ao que parece, a teleodontologia emergiu com mais protagonismo durante a pandemia da COVID-19, mas será agregada às práticas odontológicas regulamentadas no Brasil.